Nise na Casa das Palmeiras, dia de festa, anos 70, Tijuca.
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Em homenagem à Doutora Nise da Silveira, sempre lembrada por clientes, colaboradores, amigos em geral, todos da Casa das Palmeiras e do Grupo de Estudo C. G. Jung, transcrevemos trechos de sua belíssima obra, de reflexão pessoal, no campo da filosofia, publicada em 1995:
Cartas a Spinoza - Nise da Silveira
Carta VII
Meu caro Spinoza,
Você sabe que o estudo da Ética é difícil. Sem dúvida. Mas também é
fascinante acompanhar o percurso labiríntico desse livro, uma proposição
remetendo a outra muito anterior, o desdobramento para diante nunca perdendo os
fios que ficaram para trás; outras vezes, fazendo rápidos movimentos que levam
a saltos de nível. Não há extravios a temer, Sente-se logo que sua mão é firme,
seu pensamento, seguro.
Mas acontece que desta vez eu me assustei, tão absorvida estava na
procura de compreender os sentimentos, suas engrenagens obscuras, suas claras
belezas, quando você, de súbito, partiu para outras alturas. Tudo quanto antes
havia dito quase parecia uma introdução preliminar. O alvo principal era, nada
mais, nada menos, que a conquista da eternidade!
Leio surpreendida: “É tempo agora que eu passe ao que concerne à duração
do espírito sem relação com o corpo” (V, XX, escólio).
(...)
Essas ideias que você desenvolve na
parte V da Ética não devem causar estranheza. Com o cão de bom faro, fui
encontrar no Breve tratado, escrito antes de 1663: “... a alma pode estar unida
ao corpo do qual ela é a essência ou então a Deus, sem o qual não pode ser
concebida”.
(...)
(...)
Desejaria demarcar bem o seu conceito de eternidade, e o conceito de
imortalidade, segundo o cristianismo.
A ressurreição é um dogma cristão, que inclui
corpo e espírito.
(...)
Na sua concepção, porem, só uma parte do
espírito seria eterna. E a amplitude dessa parte do espírito seria eterna. E a
amplitude dessa parte eterna variaria, segundo a capacidade que ela possuísse
para penetração na essência das coisas.
Uma vida conduzida segundo os princípios da Razão, baseada na firmeza,
generosidade e concepção de ideias adequadas, já seria uma grande conquista.
Você, porém, caminha para mais alto ainda.
Impressiona-me que você não demarque fronteiras entre vida e morte. O
que importa, na sua visão, será a amplitude da eternidade conquistada e com ela
o gozo da beatitude.
Spinoza, você me faz lembrar o poema de Kabir, o persa:
“Ó amigos! Busca-o durante a tua vida,
conhece enquanto vives, compreende enquanto vives:
Pois na vida está a libertação. Se
teu cativeiro não se rompe enquanto vives, que esperança de libertação haverá
na morte?
..........................................
Se obténs agora a união, estarás
unido a Ele para sempre,
Mergulha na verdade”.
Você talvez dissesse: Mergulha desde já na Substância Infinita.
Agora e sempre,
Nise.
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Cartas a Spinoza - esgotado. Temos cópias para consulta e leitura -
Biblioteca da Casa das Palmeiras.
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