Anos de 1960.
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Nise
Fauzi Arap
Meu convívio com a Dra. Nise da
Silveira e a Casa das Palmeiras, no início da década de 70, foi dos períodos
mais ricos de minha vida. A filosofia de seu trabalho, que respeitava em cada
um sua originalidade e chamava respeitosamente de “estados de
consciência” aquilo que a
psiquiatria convencional cataloga apenas como doença mental, e com rótulos que
nada explicam, me ajudou a melhor compreender a natureza do artista e da
própria Arte.
O verdadeiro artista tem tudo a ver com o convívio com a outra margem da
consciência, com o inconsciente profundo. E a criação do Museu de Imagem do
Inconsciente e a utilização da Arte como instrumento alquímico de transformação
da consciência é, sem dúvida, um marco definitivo na abordagem terapêutica do
doente mental. É raro o artista que não se identifica com o esplendor e riqueza
do acervo do Museu, que resgata o sentido mais digno e essencial da Arte, por
colocá-la fora do Mercado, e como aliada e a serviço do Homem, num momento
limite de sua luta por uma sobrevivência psicológica.
Sou conhecido como homem de teatro e também pela direção de shows de
MPB, como os que tenho feito com Maria Bethânia. Rosa dos ventos, que
realizamos em 1971 e que chamei de “show
encantado”, acabou se tornando um marco em nosso caminho. Talvez esse tenha
sido um de meus trabalhos mais inspirados e é importante registrar que o
encantamento a que se refere o título, foi possível e aconteceu, devido, em
grande parte, à presença invisível de Nise ao meu lado, naquele período. Além disso,
utilizamos parte do acervo do Museu, com a projeção de slides de alunos dos trabalhos
dos pacientes-artistas, no trecho final do espetáculo. Durante o ano de 1971 e parte de 72, trabalhei como voluntário na Casa
das Palmeiras, dando aulas de “teatro”.
A própria estrutura do show era apoiada sobre uma linha Junguiana, com, os
blocos sendo identificados com os nomes dos quatro elementos - terra, água, ar
e fogo.
Mas o tempo não pára. Nos últimos anos, tenho perdido inúmeros amigos e
pessoas importantes de minha vida. Flávio Império, Clarice Lispector, Plínio Marcos,
entre muitos outros e, agora, Dra.Nise da Silveira, são alguns dos que
partiram. A essa altura, me sinto anestesiado. As pessoas que conseguem como
Nise, desbravar novos caminhos dentro da difícil burocracia a que a normalidade
nos condena, são merecedoras de nossa gratidão. Ela, como outras que conseguiram
extrapolar os limites da conveniência e do bom comportamento, para apontarem e
desbravarem novos caminhos, acabam permanecendo para todo sempre, não só em
nosso afeto e consideração, mas como presença viva e continuada através da obra
cristalizada que permanece perene para possibilitar cura e alívio para tantos
que não são senhores de sua própria voz. A
eles Nise legou a Arte como caminho. E a Arte talvez seja a única forma de
poder verdadeiramente respeitar a individualidade de cada um.
Nota
– o negrito é nosso. Fauzi
Arap – Ator
– Foi coordenador voluntário na Atividade de Teatro na Casa das Palmeiras.
Texto: Homenagem Nise da Silveira / Quaternio de 2001 – pág. 97, Revista Nº 8 do Grupo de Estudos C. G. Jung.
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