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sexta-feira, 1 de abril de 2011

Fundamentos do método terapêutico de Nise da Silveira I


A Casa das Palmeiras

Uma experiência revolucionária na Psiquiatria

Franklin Chang*
Quaternio nº 8 / Homenagem a Nise da Silveira - Revista do Grupo de Estudos C. G. Jung, Obra Cintífica, p. 23 – Rio de janeiro, 2001.

1 – Histórico
Dra. Nise da Silveira havia verificado que o índice de reinternação nos hospitais do Centro Psiquiátrico Pedro II era muito alto – entre 60 e 70% dos doentes retornavam após um novo surto psicótico.
Ela percebeu que tantas reinternações eram um sinal de que algo estava errado no tratamento psiquiátrico. Para ela, um destes possíveis erros (entre outros) estaria na saída do hospital, sem nenhum preparo adequado do indivíduo, quando apenas cessavam os sintomas mais impressionantes do surto psicótico. Não era tomado em consideração que “a vivência da experiência psicótica abala as próprias bases da vida psíquica”. - 1
A partir desta constatação, ela pensou em um setor do hospital, ou uma instituição que funcionasse como ponte entre o hospital e a vida na sociedade.
Mas aconteceu que, em 1956, um grupo de pessoas amigas conseguiu junto à ilustre educadora Alzira Cortes, a cessão de um pavimento de um prédio onde funcionava o Colégio La-Fayette, na Rua Haddock Lobo – Tijuca, Rio de Janeiro.
O nome da instituição, Casa das Palmeiras, foi sugerido e aprovado por todos, pela artista plástica Belah Paes Leme, que teve a inspiração devido a um grupo de balas palmeiras que ficavam no jardim do casarão.
Com a presença de numerosos amigos, a Casa das Palmeiras foi inaugurada no dia 23 de dezembro de 1956. A primeira diretoria assim constituída:
Presidente: Alzira Lopes Cortes Diretora técnica: Nise da Silveira Diretora técnica adjunta: Maria Stela Braga Diretora administrativa: Lygia Loureiro da Cruz.
A Casa das Palmeiras funcionou neste local até 1968, sendo depois transferida para uma casa situada na Rua Dona Delfina nº 36, Tijuca, cedida pela CADEME, MEC, graças à iniciativa da Sra. Adriana Coutinho, na ocasião diretora administrativa.
Anos mais tarde, a Sra. Maria Antonieta Franklin Leal permutou a casa da Rua Dona Delfina, que se achava em más condições de conservação, por outra casa, na Rua Sorocaba 800, Botafogo, onde, desde setembro de 1981, está instalada a Casa das Palmeiras. A Casa das Palmeiras é uma instituição sem fins lucrativos, na qual o principal método de tratamento é a terapêutica ocupacional aplicada à Psiquiatria e reconhecida de Utilidade Pública pela lei 376, de 16/10/1963.
Inúmeros artistas tem colaborado com a Casa em forma de doações de shows ou obras de arte, como num leilão de Arte de 1967. Destacamos show com Caetano Veloso e o leilão com as obras dos artistas plásticos; Abraham Palatinik, Anna Letycia, Augusto Rodrigues, Anna Bella Geiger, Ivan Serpa, Isa Aderne, Almir Mavignier, Edith Behring, Abelardo Zaluar, Carlos Vergara, Maria do Carmo Secco, Caio Mourão, Millor Fernandes, Maria Teresa Vieira, Marília Rodrigues, Marlene Hori, Fayga Ostrower, Roberto Moriconi, Amilcar de Castro, Artur Barrio, Tiziana Bonazzola Barata, Antonio Maia, Rubem Gerchman, Bruno Giorgi, Madelene Colaço, Frank Schaeffer, Inimá de Paula, José Tarcisío, Pedro Touron, Milton da Costa, Lygia Clark, Farnese de Andrade, Paulo Moreira da Fonseca, Cândido Portinari, Carlos Scliar, Poty, Oscar Niemeyer, Ilo Krugli, Vera Roitman, José Paixão, Edouard Sued, Di Cavalcanti, Ziraldo, Georgette Melhen, Djanira, Darel Valença, Darcílio de Paula Lima e outros amigos colaboradores.
A capacidade atual é de 45 clientes e funciona em regime de externato, nos dias úteis, das 13h às 17h30.

2 - Método de tratamento
Os fundamentos do método de tratamento da Casa das Palmeiras são os seguinte: Terapêutica ocupacional. Afeto catalisador. Psicologia de C. G. Jung
2.1) Dra. Nise conta em seu livro Imagens do Inconsciente que, desde 1946, se dedicou à Terapêutica Ocupacional, em busca em um novo método de tratamento para a esquizofrenia.
Não queria que a T.O. fosse vista apenas como um método auxiliar ou subalterno aos tratamentos “científicos” como o eletrochoque, coma insulínico, psicocirurgia ou o uso indiscriminado de psicotrópicos.
Negando que a T.O. fosse apenas um sistema para distração dos doentes ou então de torná-los produtivos na economia hospitalar, Dra. Nise percebeu que a T. O. poderia ser um autêntico método terapêutico, em que os agentes terapêuticos seriam a pintura, modelagem, música, trabalhos artesanais etc.
A grande dificuldade é que por ser um método não verbal, ele não se encaixa no sistema cultural vigente que privilegia a palavra. Como ela escreveu:
“Lidando com atividades manuais e expressivas, processando-se sobretudo em nível não verbal, compreende-se que este tipo de tratamento não goze de prestígio na nossa cultura tão deslumbrada pelas elucubrações do pensamento racional e tão fascinada pelo verbo”. - 2
Mas mesmo assim, Dra. Nise tentou uma fundamentação teórica para a T. O. nos escritos de vários médicos e psiquiatras que se dedicavam ao assunto, Kraepelin, Bleuler, H. Simon, K. Schneider, P. Sivadon, Freud e Jung.
Apesar de pouco sucesso nestes estudos, ela não desistiu a acabou por adotar o termo “emoção de lidar”, para substituir o então conhecido Terapia Ocupacional. Aquele termo foi criado por um cliente da Casa das Palmeiras, quando, ao manipular o material (lã) na criação de um objeto (gato), escreveu:
“Gato, simplesmente Angorá
do mato,
Azul olhos nariz cinza
Gato marrom
Orelha castanho macho
Agora rapidez
Emoção de Lidar”.

O termo emoção de lidar sugere a emoção provocada pela manipulação de um material de trabalho, uma das condições essenciais para a eficácia do tratamento. As atividades expressivas, ao permitirem a livre e espontânea expressão dos afetos e emoções, conseguem uma maior penetração no mundo interno dos psicóticos, e daí ser possível a elaboração de vivências e experiências muitas vezes não verbalizáveis, fora do alcance da razão e do pensamento.
A equipe da Casa das Palmeiras está sempre atenta para observar o que transparece na face, mãos e gestos do cliente e isto vai ao longo do tempo permitido que o cliente seja mais bem conhecido, e tenha uma melhor abordagem terapêutica.
2.2) Em Psicologia se costuma dizer que tão o mais importante que o método de tratamento, é a qualidade do terapeuta que conta. Isto também é válido para o tratamento psiquiátrico, onde há necessidade do doente de encontrar um ponto de apoio e referência afetiva.

Dra. Nise costuma dizer:
“Entre o pessoal que tem contato com o doente: médicos, enfermeiros, monitores de terapêutica ocupacional, há também os catalisadores e os inibidores. Sem dúvida o mesmo indivíduo poderá funcionar como catalisador para uma pessoa e inibidor para outra”. - 3
A equipe técnica da Casa das Palmeiras é orientada e treinada para desenvolver o “afeto catalisador”, ou seja, para catalisar o afeto emergente da relação interpessoal para o trabalho nas atividades expressivas.

O afeto catalisador surge natural e espontaneamente quando o doente percebe o interesse e simpatia do monitor, estagiário ou médico, para o que está sendo produzido ou não, deve estar em primeiro lugar, para a pessoa em si mesma, e depois para a sua produção.
O que observamos é que, após a construção de um relacionamento confiante com alguém da equipe, aos poucos o doente começa a estender seus contatos com o ambiente e com outras pessoas, e daí ocorre naturalmente uma maior socialização. Nestes anos todo de existência, foi constatado um baixíssimo índice de reinternações de clientes da Casa das Palmeiras, em instituições ou clínicas psiquiátricas.

A Dra. Nise sintetiza isto da seguinte forma:
“O esquizofrênico dificilmente consegue comunicar-se com o outro, falham os meios habituais de transmitir suas experiências. E é um fato que o outro também recua diante desse ser enigmático. Será preciso que esse outro esteja seriamente movido pelo interesse de penetrar no mundo hermético do esquizofrênico. Será preciso constância, paciência e um ambiente livre de qualquer coação, para que relações de amizade e de compreensão sejam criadas. Sem a ponte desse relacionamento a cura será quase impossível”. - 4

Dra. Nise também experimentou animais como co-terapêutas e verificou que eles são excelentes catalisadores de afeto. Ela nos conta em seu livro O Mundo das Imagens como tudo começou, quando foi encontrada no terreno do hospital uma cadelinha abandonada, faminta. Com ela nas mãos, aproximou-se um interno muito interessado. Dra. Nise então perguntou se ele aceitava tomar conta dela e após sua afirmativa, tornou-se responsável pela cachorra.
Devido aos excelentes resultados obtidos, Dra. Nise inicia um trabalho pioneiro de pesquisa, e mais uma vez é mal interpretada, talvez porque, como ela diz, “o animal é em nossa cultura um ser irracional” - 5, e nós, os seres humanos, enquanto racionais julgamo-nos superiores a eles.
Na realidade, este problema tem a ver com o desenvolvimento da cultura ocidental, e sua valorização da razão humana e do pensamento científico, em detrimento dos sentimentos, da intuição e de uma visão holística do homem e da natureza.
- 1 SILVEIRA. Nise da, Emoção de Lidar. p.9, Rio de Janeiro, Alhambra, 1986. - 2 SILVEIRA. Nise da, Imagens do Inconsciente, p. 66. Rio de Janeiro, Alhambra. 1981. - 3. Idem, p. 69 - 4. Idem, p. 80 - 5. SILVEIA. Nise da, O Mundo das Imagens, p. 112, São Paulo, Ática. 1992.
Continuaremos este artigo de Franklin Chang – 2.3, com o método de tratamento - Psicologia de C. G. Jung / As Atividades da Casa das Palmeiras / Opiniões dos clientes sobre a Casa das Palmeiras.
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* Flanklin Chang – Presidente da Casa das Palmeiras de 18/03/1997 a 8/11/2001. Amigo muito querido de Nise da Silveira.
Artigo na íntegra; apenas acréscimo de nomes de artistas plásticos que se destacaram na área da cultura e que participaram do Leilão de Arte (177 artistas, incluindo uma cerâmica de Pablo Picasso doada por Dr. Magalhães da Silveira). Obras doadas para o leilão em benefício da Casa das Palmeiras em 25, 26 e 27 de setembro de 1967 - Rio de Janeiro- Affonso Nunes - leiloeiro.
Negrito é nosso ________

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