O que impressionava na Doutora Nise da Silveira era a voz tranquila, serena e segura, de quem transmitia convicções bem sedimentadas. (...) Nise da Silveira não tinha uma clínica particular: dedicou todo o seu trabalho à terapêutica ocupacional do Centro Psiquiátrico (federal, naquela ocasião) e da Casa das Palmeiras, sociedade beneficente que vivia do que os doentes podiam doar, das contribuições dos sócios e das festinhas que ela mesma organizava. A Casa se mantém com doações até os dias de hoje. Como a Doutora mesma relatou, a Casa das Palmeiras era, naquele tempo, parcialmente administrada pelos doentes.
Palavras de Nise da Silveira:
“Sempre me pareceu inteiramente sem importância fazer um diagnóstico e pôr um rótulo numa pessoa. Esquizofrenia... esquizofrenia... esquizofrenia. Isso não diz nada. O fundamental é o encontro com aquela pessoa. A certa altura, me pareceu que a esquizofrenia não é uma doença pròpriamente dita, com as características clássicas das doenças. A esquizofrenia resulta de cisões internas e rupturas com o mundo exterior, causadas por situações extremas, demasiado fortes para certos indivíduos. São eles, na maioria, frágeis para suportar o que nós outros suportamos - talvez até por serem melhores do que nós.
Em 1946, ao ser transferida para o Instituto de Psiquiatria no Engenho de Dentro, organizei o Serviço de Terapêutica Ocupacional. Embora o serviço conste de vários setores, como marcenaria, sapataria e outros ofícios, sempre dei muita ênfase às atividades criadoras. Assim a pintura e a modelagem ocupam lugar de destaque em nossa terapêutica ocupacional. Mesmo nas outras atividades, procuro deixar a mais larga margem possível à iniciativa pessoal, evitando sempre moldes fixos e repetições. Uma coisa que logo verifiquei: a pintura, que de início julgava apenas um caminho de acesso ao mundo interior do doente - uma porta para ver o que acontecia por dentro - era na verdade, em si própria, um agente terapêutico. Lidando com as imagens do inconsciente, o doente pode confrontá-las e despotencializá-las da força desintegradora que elas possuem, das ameaças que encerram. Vi doentes melhorarem sem nenhum tratamento, somente modelando e pintando.
Vi, por exemplo, um rapaz altamente dotado, que teve de ser internado quando estava terminando o curso complementar. Ele foi espatifado por dentro e rompeu suas relações com o mundo exterior. Vi-o reorganizar-se através da pintura. De início, pintava um amontoado de objetos díspares, inteiramente desorganizados, sem nenhuma estruturação do espaço. Pouco a pouco, por assim dizer, foi retirando esses objetos daquele caos, enquadrando, destacando, isolando. Ele arrumou, então, a sala da casa onde gostaria de morar. Mas, para chegar aí, fez centenas de pinturas, mostrando de início somente soalhos, dando grande ênfase aos rodapés. Depois, punha sobre o piso um aquário, um piano, uma mesa, até que pudesse agrupar todos esses objetos numa estrutura organizada. Ele saiu, realmente, do caos, porque dispunha dessa maneira de se apropriar dos objetos e de situá-los organizadamente no mundo real”.
- O grifo é nosso. Minha vida na Casa da Solidão - ensaio assinado por Nise da Silveira - Revista Manchete, junho de 1967, Rio de Janeiro.
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Produções recentes
L.R. Bico de pena/nanquim
Produções da Casa das Palmeiras - Ateliê vivo de desenho e pintura.
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