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sábado, 30 de janeiro de 2010

Atividades plásticas -

palavras de Nise da Silveira *

“Em 1946 quando abrimos o setor de pintura (Museu de Imagens do Inconsciente - Engenho de Dentro, RJ), nossa idéia era encontrar um caminho de acesso ao mundo interno do esquizofrênico. As comunicações verbais apresentavam-se muito difíceis e nós ficávamos do outro lado do muro sem entendê-los. Percebemos que desenhos e pinturas eram preciosos materiais para associações livres a serem trabalhadas em sessão de psicoterapia.”
“O nosso trabalho não visa criar artistas, é um tratamento através das atividades plásticas. O olhar, as mãos, os gestos podem me dizer alguma coisa. Sempre estive próxima de artistas plásticos, eles são menos burros que os médicos. Não sou artista, mas como todo mundo, gosto de arte. Tenho vários livros de arte aqui na minha biblioteca. Meu interesse pela expressão plástica é mais no sentido da procura das expressões mais profundas do inconsciente. A linguagem não-verbal diz muito mais que a verbal.”
“Nosso objetivo principal é entrar no mundo interno do doente, é conhecer este mundo e que ele entre em contato conosco. Não é desejo de que o doente se expresse de forma artística, o que nós queremos é que ele se expresse em imagem, como linguagem. O simples fato de desenhar ou modelar é terapêutico. Ele fica mais leve, diminuem o medo e as tensões.”
“Em matéria de educação não basta conhecer o mundo externo, é necessário tomar seriamente em consideração a função imaginativa ao dar forma a conteúdos do inconsciente.”
“Eu via nas imagens circulares algo muito semelhantes aos que os orientais faziam para meditar. Mandei carta com as imagens para Zurique. Foi Jung quem afirmou que se tratava de mandalas o que se pintava lá no Museu, círculos ordenadores da psique. O doente não estava totalmente esfacelado, mostrava um sentido profundo de busca de harmonia. As mandalas representam forças autocurativas.”

“É muito importante a pesquisa das imagens dos doentes esquizofrênicos. O doente pode estar vivendo num mundo de confusão mental e ao se expressar em imagens, pode revelar em símbolos unidade interior. É o que ocorre quando desenham mandalas. Esquizo, em grego quer dizer partido, separado, mas volta e meia me surpreendia com círculos ordenados nos desenhos. Essas imagens falam uma linguagem própria.”
“O simples fato de pintar despotencializa a angustia dos doentes. Observando as imagens percebe-se, mesmo sem que haja uma tomada de consciência. Eles se sentem mais aliviados. Plasmando com as próprias mãos, a pessoa doente vê que as imagens são menos apavorantes. Vê-se uma considerável melhora na vida pessoal, nas relações externas.”
“Para Freud as imagens plásticas são meras projeções do inconsciente, estão lá. Para Jung é bem mais que simples projeções do inconsciente. O fato de desenhar, pintar, esculpir, modelar, já é por si mesmo terapêutico.”
“Produzir imagens expressas em emoções já é por si terapêutico, é remédio. Prefiro as atividades expressivas à camisa de força química. Não que seja contra os remédios, longe de mim, mas sou avessa às doses elevadas de psicofármacos.”
“Não tenho nenhuma intenção de produzir arte nos ateliês. O inconsciente produz imagens extraordinárias, é de uma riqueza criativa imensa. Não se tem a intenção de forçar produzir trabalhos, mas sim de dar condições, possibilitar estímulos, dar oportunidades de que os doentes possam se expressar plasticamente. As mãos instrumento de trabalho. Nada deve ser forçado.”
“Quando as relações pessoais com o ser emocionalmente doente são vividas através da compreensão afetiva temos resultados surpreendentes. É essencial oferecer um instrumento de comunicação. O nosso começo na Terapêutica Ocupacional foi com a jardinagem e a costura, o resto veio depois.”
“Importante é Odilon Redon, seu processo expressivo, sua cura acontecendo simplesmente no ato de criar, pintar. É só acompanhar a evolução da atividade imaginativa, em seus trabalhos, através das imagens.”
“Para Jung vários métodos. Para cada cabeça um chapéu e não o mesmo para todas as cabeças. O que vale para um tipo psicológico, não vale para outro tipo psicológico. Muita flexibilidade para não se seguir uma trilha única. Tudo depende de cada caso, cada pessoas, não há receita única.”

“Tenho orgulho de dizer que transformei o serviço subalterno em serviço de alta categoria. O trabalho que se fazia na Terapia Ocupacional era tudo repetitivo quando fui designada para lá. Eles faziam tudo igual todos os dias. Não existe coisa pior. Criamos oficinas de trabalho criativo, nada era repetitivo, e chegamos a criar 17 oficinas expressivas. Tínhamos a pintura e a modelagem como prioridade. Através das imagens podíamos conhecer os processos psíquicos, o que se passa nas camadas mais profundas do ser.”
“Não sei fazer nada sem procurar uma base mais profunda, sem ler, pesquisar. As referências são fundamentais.”
“Sempre resisti às críticas e agressões que recebia desde 1946 quando instalamos o setor de desenho e pintura lá no Pedro II, Engenho de Dentro. Sofri muito. Anda-se é para frente.”

“Fui guiada pela intuição.”

* Senhora das imagens internas – Escritos dispersos de Nise da Silveira – Biblioteca Nacional / Rio de Janeiro, 2008.
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