terça-feira, 29 de outubro de 2019

Nise da Silveira _ eterna presença!

         Nise Magalhães da Silveira - 15 de fevereiro de 1905 / Maceió/Alagoas - 29 de outubro de 1999 / Rio de Janeiro, RJ.
         Hoje, à tarde, lembramos com profundo afeto a saudosa Doutora Nise da Silveira, na hora do lanche com todos presentes em harmoniosa confraternização.
      Há vinte anos que a saudosa Doutora Nise nos deixou.
      Em outras dimensões, instâncias, ela nos guia com seu imenso Amor Humano! 
                                   Nise Vive!
    Dia 8 de novembro, às 15h, haverá na Casa das Palmeiras uma singela homenagem à Dra. Nise, com encontro ecumênico. 
Informações: 2266-6465 (à tarde das 13h às 17h - durante a semana).
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domingo, 27 de outubro de 2019

Relato de Abraham Palatnik sobre Nise da Silveira

        Dando continuidade às homenagens à querida e inesquecível Nise da Silveira
- 15 de fevereiro de 1905 - 29 de outubro de 1999 - Relato memória - artista plástico   
                                         Abraham Palatnik

      O primeiro contato que tive com os artistas do Centro Psiquiátrico do Engenho de Dentro ocorreu em 1948, por intermédio de Almir Mavignier, e teve para mim importante e surpreendente desdobramento, De um lado, recepção carinhosa da Dra. Nise da Silveira, apresentando-me os artistas e seus trabalhos, ao mesmo tempo que explicava o espírito e a filosofia de sua atuação; do outro, minha absoluta perplexidade diante daquilo que estava presenciando. Foi um impacto que demoliu minhas ideias e convicções em relação à arte.
     Embora tivesse apenas 20 anos de idade, considerava-me um artista consciente, coerente e seguro daquilo que fazia. Diante dos trabalhos de Emygdio, Raquel, Carlos, Diniz, Isaac e outros, entretanto, tiveram a prova e percebi a extraordinária riqueza e potencial criativo imerso em seus subconscientes, e inevitavelmente comecei a comparar e questionar profundamente aquelas minhas convicções à luz da criatividade espontânea desses artistas. A confiança no meu aprendizado e atuação durante quatro anos num ateliê livre de artes plásticas estava desmoronando. A coerência estava com Diniz, com Carlos, com Emygdio; a poesia com Raquel, com Isaac. Fundiam-se imagens e linguagem. Os elementos determinantes da figura e da cor não obedeciam a critérios escolares de composição, sendo na verdade, regidos por códigos outros, relacionados às forças poderosas advindas do inconsciente, códigos esses que viriam a ser exaustivamente estudados e decifrados por Dra. Nise.
      Fascinado e desnorteado, fui pouco a pouco percebendo a importância de conhecer e compreender outros aspectos da forma e da percepção que não aquelas tradicionais, e através do precioso contato com Mário Pedrosa terminei por concluir que era na essência da forma que se armazenava o potencial para atingir os sentidos, cabendo ao artista, enfim, disciplinar a ordem e o caos. A partir daí, desencadeei pesquisas e experiências no campo da luz e do movimento, visando resultados estéticos fora dos padrões usuais e das técnicas consagradas.
    Até hoje me surpreendo, enfim, com a eloquência dos princípios estéticos dos artistas do Centro Psiquiátrico do Engenho de dentro, e com a incontestável autenticidade e beleza de seus trabalhos. Por não estarem contaminados com tendências, influências, receitas e teorias, e a despeito de sua esquizofrenia - e mesmo de uma certa forma beneficiados por ela, por que não dizer! – estamos livres para usar em sua obra aquela fantástica, poderosa e até então aprisionada riqueza de vivências e imagens, com seus símbolos e arquétipos, emergindo do inconsciente com a força, superioridade e presença suficientes para suprir a necessidade vital de se comunicar.

Depoimento publicado na revista Quaternio de 2001 - Grupo de Estudos C. G. Jung / Homenagem à Nise da Silveira.
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sexta-feira, 25 de outubro de 2019

Carlos Drummond escreve sobre Nise da Silveira

          Em 1975, nosso grande poeta - escritor e pensador - Drummond de Andrade se colocou em total apoio à mestra e precursora Dra. Nise da Silveira, em razão da preservação da Obra desta admirável mulher, acima de seu tempo. 
 - Nise da Silveira (15/02/1905 - 29/10/1999) 

                             A  Doutora  Nise*
                                Carlos Drummond de Andrade

       Há visível engano nos registros burocráticos referentes à funcionária federal, Nível 22-A, Dra. Nise da Silveira. Segundo os papéis oficiais, a aludida servidora atingirá, no próximo dia 10 de janeiro, a idade-limite que determina aposentadoria compulsória. A contagem deve estar certa, se baseada em certidão de nascimento. Mas cumpre excluir do total 15 meses em que a Dra. Nise não trabalhou nem viveu a vida normal, pois esteve presa. Seria justo descontar-lhe da idade esse tempo vazio, por um lado, e cheio de angústia, por outro. Graciliano Ramos, nas Memórias do Cárcere, dá testemunho da passagem da Dra. Nise pelo túnel da prisão política, de resto injusta, pois o Tribunal de Segurança acabou por absolvê-la de imaginários crimes. Não lhe  restituiu, porém, o ano e tanto de vida sequestrada, durante o qual, no dizer de Graciliano, fugia-lhes às vezes a  palavra e um desassossego verdadeiro transparecia no rosto pálido, os grandes olhos moviam-se tristes. Atravessando o túnel, era como se ela não existisse mais, tanto que, classificada em 4º lugar no concurso, viu nomeados todos os candidatos até o 3º lugar, com exclusão de sua pessoa. Nise na compulsória? Corrijam os números, senhores escriturários, pois tudo isso conta, e muito, existencialmente.
    Não contou foi no íntimo de Nise da Silveira, para torná-la criatura amarga e revoltada, que daí por diante abominasse o gênero humano. Pelo contrário. Restituída à atividade médica especializada, em cargo público que na aposentadoria lhe proporcionará os proventos de Cr$ 1 mil 740, dedicou-se a uma obra em que o interesse científico é amalgamado com o interesse humano, e toda pesquisa envolve amor ao ser – o ser distanciado da imprecisa fronteira do normal - o fechado em si, o supostamente ininteligível, o  esquizofrênico. Nise debruçou-se sobre a mente cheia de mistério dos que não participavam do nosso modo comum de viver e exprimir-se, e em cerca de 30 anos de observação, estímulo e carinho, extraiu deles alguma coisa profundamente comovedora e de enorme interesse psicológico.
    Seu Serviço de Terapia Ocupacional abriu um caminho para a interpretação de valores obscuros, em potencial no espírito atormentado: o caminho da criação artística. Sem pretensão de formar criadores no sentido que lhes atribui a disciplina estética. Sem querer aumentar o catálogo de nossos pintores, escultores, gravadores. Nise interroga o inconsciente e consegue que dele aflorem as representações artísticas espontâneas, prova de que nem tudo em seus autores é caos ou aniquilamento: perduram condições geradoras de uma atividade bela, a serem devidamente estudadas visando ao benefício do homem futuro, tornando mais transparente em suas grutas interiores.
    Resultado desse trabalho que seduziu outros psiquiatras e discípulos, levando-os a cooperar com a frágil e forte pessoa de Nise, é o Museu de Imagens do Inconsciente, sobre cuja sorte pairam hoje interrogações: não o estando ainda integrado legalmente na estrutura do Ministério da Saúde, embora portaria ministerial de 1973 lhe reconhecesse a existência, que será dele, com a aposentadoria de Nise? Irá vegetar, marcar passo, regredir, acabar melancolicamente?
    Para evitar que isto aconteça, fundou-se a sociedade Amigos do Museu de Imagens do Inconsciente. Não é comum ver-se um funcionário que se aposenta suscitar iniciativa dessa ordem para preservar-lhes as realizações no serviço público. Deve ser mesmo caso único. Para se justificarem como entidade, os amigos do Museu, que são os amigos de Nise, precisam ficar atentos e ativos, não deixando que tal instituição seja roída pela indiferença burocrática. Os museus não valem como depósitos de cultura ou experiência acumuladas, mas como instrumentos geradores de novas experiências e renovação. Só assim deve ser  entendido o maravilhoso acervo de obras recolhidas ao museu que é alma e vida de Nise.
    Do contrário, é o caso de apelar para sua criadora, esquecendo-lhe a aposentação compulsória, no verso do cantor maranhense:
   Nise? Nise?  Aonde estás? Aonde? Aonde?

 *Jornal do Brasil, 4 de janeiro de 1975.
www.carlosdrummond.com.br
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