Dando continuidade às homenagens
à querida e inesquecível Nise da Silveira
- 15 de fevereiro de 1905 - 29 de outubro
de 1999 - Relato memória - artista plástico
Abraham Palatnik
Abraham Palatnik
O primeiro contato que tive com os artistas do Centro Psiquiátrico do
Engenho de Dentro ocorreu em 1948, por intermédio de Almir Mavignier, e teve
para mim importante e surpreendente desdobramento, De um lado, recepção
carinhosa da Dra. Nise da Silveira, apresentando-me os artistas e seus trabalhos,
ao mesmo tempo que explicava o espírito e a filosofia de sua atuação; do outro,
minha absoluta perplexidade diante daquilo que estava presenciando. Foi um
impacto que demoliu minhas ideias e convicções em relação à arte.
Embora tivesse apenas 20 anos de idade, considerava-me um artista
consciente, coerente e seguro daquilo que fazia. Diante dos trabalhos de Emygdio,
Raquel, Carlos, Diniz, Isaac e outros, entretanto, tiveram a prova e percebi a
extraordinária riqueza e potencial criativo imerso em seus subconscientes, e
inevitavelmente comecei a comparar e questionar profundamente aquelas minhas
convicções à luz da criatividade espontânea desses artistas. A confiança no meu
aprendizado e atuação durante quatro anos num ateliê livre de artes plásticas
estava desmoronando. A coerência estava com Diniz, com Carlos, com Emygdio; a
poesia com Raquel, com Isaac. Fundiam-se imagens e linguagem. Os elementos
determinantes da figura e da cor não obedeciam a critérios escolares de
composição, sendo na verdade, regidos por códigos outros, relacionados às
forças poderosas advindas do inconsciente, códigos esses que viriam a ser exaustivamente
estudados e decifrados por Dra. Nise.
Fascinado e desnorteado, fui pouco a pouco percebendo a importância de
conhecer e compreender outros aspectos da forma e da percepção que não aquelas
tradicionais, e através do precioso contato com Mário Pedrosa terminei por
concluir que era na essência da forma que se armazenava o potencial para
atingir os sentidos, cabendo ao artista, enfim, disciplinar a ordem e o caos. A
partir daí, desencadeei pesquisas e experiências no campo da luz e do
movimento, visando resultados estéticos fora dos padrões usuais e das técnicas
consagradas.
Até hoje me surpreendo, enfim, com a eloquência dos princípios estéticos
dos artistas do Centro Psiquiátrico do Engenho de dentro, e com a incontestável
autenticidade e beleza de seus trabalhos. Por não estarem contaminados com tendências,
influências, receitas e teorias, e a despeito de sua esquizofrenia - e mesmo de
uma certa forma beneficiados por ela, por que não dizer! – estamos livres para
usar em sua obra aquela fantástica, poderosa e até então aprisionada riqueza de
vivências e imagens, com seus símbolos e arquétipos, emergindo do inconsciente
com a força, superioridade e presença suficientes para suprir a necessidade
vital de se comunicar.
Depoimento publicado na revista Quaternio
de 2001 - Grupo de Estudos C. G. Jung / Homenagem à Nise da Silveira.
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Grande ser humano, dra. Nise da silveira, com olhar voltado para as entranhas que cada um carrega impresso na alma. Uma verdadeira guerreira
ResponderExcluirMaravilhoso
ResponderExcluirExcelente!
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