domingo, 21 de setembro de 2008

Arranjo Floral

A beleza do Arranjo Floral é um dos muitos remédios na Casa das Palmeiras.
As flores, as mais variadas flores naturais, sobre a mesa, aguardam a chegada dos clientes que se organizam em torno para escolher aquelas que mais lhes agradam e colocá-las numa jarra. Sobre a mesa estão dispostas bonitas jarras de vários tamanhos - cerâmica e vidro. Conforme as escolhas e os cortes com a tesoura própria para cortar as plantas, os talos, os arranjos são feitos com harmoniosa colocação estética ao gosto de cada um em particular.
Um cuidar quase gestual em que todos participam. É uma atividade individual porque a escolha é pessoal e é coletiva porque é vivenciada em grupo. A aproximação das flores é sempre espontânea. As flores agem como imã de cordialidade.
Sempre certo entusiasmo nas escolhas das flores; rosas, margaridas, girassóis, buganvílias, palmas, cravos, cravinas, crisântemos e tantas outras mais que nos perdemos nos nomes. O florista, de quinze em quinze dias, nos envia muitos ramos grandes das flores necessárias para esta atividade repleta de natureza viva.
Cada um faz o seu arranjo. Uns preferem colocar uma única flor num jarro, e outros dão preferências a muitas flores. Não importa se a escolha for uma flor já meio murcha ou com o talo quebrado. Em seguida é distribuída uma folha de papel e uma canetinha para se escrever algumas palavras. A livre expressão é a norma do Arranjo Floral, mas pode ocorrer sugestão de algum tema, o que é comum em momentos significativos como a Festa da Primavera, mudança de estação. Pode ocorrer que não se queira escrever, apenas organizar as flores na jarra. Pode ainda não se querer fazer nada e só estar ali presente acompanhando a atividade com o canto dos olhos.
O Equinócio da Primavera sendo um acontecimento que marca as estações do ano é ocasião para falarmos desta passagem simbólica do inverno para a vida das flores que nos aponta para a alegria das cores se manifestando na Natureza Mãe.
No arranjo floral surgem muitas projeções que refletem os anseios e desejos internos de seus autores. Uma atividade que revela importância psicológica de muito interesse para se desvendar conflitos psíquicos e afetivos.
Na maneira de escolher e arrumar, pedir e observar as flores com visível carga emocional pode-se ter idéia das situações afetivas do indivíduo e de suas limitações ou alterações nos relacionamentos.
Terminado o arranjo, cada pessoa tendo escrito o que desejou prende a folha no seu vaso. Quando todas as flores já estiverem nos vasos e os textos, pequenas reflexões escritas, cada um lê o que escreveu e mostra o seu vaso para que todos possam apreciar. Um aplauso se dá em alegria plena. Sempre se levando em conta a liberdade de expressão pode ocorrer observações sobre o texto e mesmo controvérsias.
No final o jarro com as flores pode ser oferecido a alguém, mas geralmente cada um irá enfeitar a Casa das Palmeiras com o seu arranjo de flores.
O Arranjo Floral inicialmente, em 1972, era uma atividade de Ikebana que a colaboradora Talita ofereceu a Casa. Como esta atividade despertou interesse de pesquisa e de valor científico passando assim a ser objeto de estudo e recebeu o nome de Arranjo Floral. Uma atividade para ser vivenciada com alegria e prazer. Maria da Glória, Maria Abdo, Gilsa Prado e Vicente Saldanha foram muitos dos colaboradores e pesquisadores nesta oficina criativa.
“Tanto a flor como o vaso, são elementos importantes da linguagem simbólica característica do inconsciente e aparecem, com freqüência nas vivências internas dos esquizofrênicos. Vaso indicaria a tentativa de reunir elementos diversos num único contenedor. Seria uma busca de compensar a dissociação.” Maria Abdo
A maneira como se arruma as flores podemos observar o reflexo do desenvolvimento interno, as emoções se revelando nos gestos. O Arranjo Floral é um singelo e rico meio de fortificar a consciência, uma oportunidade de exprimir as emoções, as vivências.
A flor pode representar a própria pessoa com seus anseios existenciais. Ao observarmos como a pessoa age no processo da escolha das flores percebemos o que ela está nos acenando, pedindo, o que o inconsciente quer mostrar. Escolher flores quebradas, murchas, uma só flor ou mesmo uma porção de flores pode ser visto como recados do inconsciente. A maneira como se age diante das flores pode ser oportunidade para captarmos o que se está sendo solicitado. A observação silenciosa que verificamos no olhar da pessoa, a aproximação em torno das flores, as escolhas e a maneira como a pessoa segura cada flor revela percepções internas.
O mundo interno se revela pela forma como se faz o arranjo, como se comporta a pessoa diante das flores, o silêncio ou as palavras; tudo deve ser objeto se aprendizado e conhecimento da vida interior. A vida externa e interna interagindo na atividade com as flores.
“Terapeuticamente, o mais importante é que o mundo interno dissociado tome forma e encontre meios de expressão através de símbolos transformadores que o aproximem cada vez mais do nível consciente.” (...) “A psicologia de Jung está impregnada de atividades e foi a partir de suas idéias que, principalmente, nos inspiramos.” Nise da Silveira - A Emoção de Lidar, Uma Experiência em Psiquiatria - Casa das Palmeiras, 1986. Ed. Alhambra. RJ.
A postura dos terapeutas, médico, psicólogo ou artistas é de profundo respeito à pessoa de cada indivíduo, e se estabelece de maneira natural sem ansiedades ou pressa, e sim de compreensão em ajudá-los quando necessário, a fim de fortalecer o ego de maneira progressiva.
Muitas são as constatações da beleza que é o Arranjo Floral como terapêutica ocupacional, como um dos mais doces e belos remédios para a vida.
Citaremos apenas um caso do Arranjo Floral que muito contribuiu em silenciosa e sensível postura a estagiária de psicologia, Luciana de 2007 para este ano de 2008: R. ficava de longe só acompanhando com o canto dos olhos as pessoas chegando, colocando-se em torno da mesa e escolhendo seus vasos, arrumando as flores nos jarros, escrevendo e lendo as frazes, mostrando seus vasos para todos, e depois sendo aplaudidos pelo arranjo florido. Observava apenas. A pedido, delicadamente, de uma ou mais estagiária, aos poucos R. foi se aproximando mais da mesa e veio sentar-se bem ao lado de todos em silêncio. Passada algumas semanas escolheu um vaso e uma só flor foi colocada na jarra de boca pequena, passada outras semanas duas flores. Luciana não está mais na Casa. R. continuou com mais e mais interesse, um bom tempo passado colocou umas poucas flores no vaso que ele escolheu. Hoje seu jarro é maior e ali são colocadas muitas flores e uma pequena fraze que expressa sua interioridade. O sorriso se faz largo, silencioso e revela felicidade realizada.

Dizeres dos criadores da atividade Arranjo Floral registraremos em breve.
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