sábado, 26 de janeiro de 2008

Que é a Casa das Palmeiras

Nise da Silveira [em oito módulos]

Livro: Casa das Palmeiras - A Emoção de Lidar - uma Experiência em Psiquiatria
Ed. Alhambra, 1986. RJ.

I - A fundação da Casa
Desde muitos anos nos preocupava o fato de serem tão numerosas as reinternações nos nossos hospitais do Centro Psiquiátrico. Basta dizes que dentre os 25 doentes internados nesses hospitais por dia, em média, 17 eram reinternações. Infelizmente a situação em 1986 é quase a mesma: para 28 internações, 16 são reinternações (pelo menos segundo nossas precárias estatísticas).
Mas voltemos à década dos anos 50. Parecia-me que tantas reinternações davam testemunho de que algo estava errado no tratamento psiquiátrico. Um desses possíveis erros (entre outros) estaria na saída do hospital, sem nenhum preparo adequado do individuo, quando apenas cessavam os sintomas mais impressionantes do surto psicótico. Não era tomada em consideração que a vivência da experiência psicótica abala as próprias bases da vida psíquica. Depois de um impacto tão violento o egresso dificilmente se encontraria em condições de reassumir seu anterior trabalho profissional e de restabelecer os contatos interpessoais exigidos na vida social.
Durante vários anos pensei quanto seria útil um setor do hospital, ou uma instituição que funcionasse como espécie de ponte entre o hospital e a vida na sociedade. Naturalmente seriam necessários recursos financeiros dos quais eu não dispunha para que fosse tentada experiência desse gênero. Conversei sobre o assunto com vários colegas que, entretanto, não mostraram interesse pelo projeto.
Mas aconteceu que no inicio do ano de 1956 a psiquiatra Maria Stela Braga, recente colaboradora da Seção de Terapêutica Ocupacional que estava a meu cargo, logo participou entusiasticamente dessa idéia. Foi ela quem me apresentou à ilustre educadora Alzira Cortes (viúva do Professor La-Fayette Cortes) que, depois de breve conversação, sentiu e compreendeu a utilidade do projeto. D. Alzira já havia cedido a APAE o primeiro pavimento do casarão onde anteriormente havia funcionado o Colégio Lá-Fayette, na Rua Haddock Lobo. E agora, num gesto de confiança e generosidade, pôs à nossa disposição, sem qualquer formalidade, o segundo pavimento daquele prédio.
Logo começamos a elaborar as normas da nova instituição: Maria Stela Braga, psiquiatra, Belah Paes Leme, artista plástica, Ligia Loureiro, assistente social, e Nise da Silveira, psiquiatra. Para isso nos reuníamos no atelier de Belah, e foi ela quem encontrou o titulo CASA DAS PALMEIRAS, visto que o casarão da Rua Haddock Lobo possuía em seu jardim de frente um grupo de belas palmeiras. Assim evitávamos dar à renovadora instituição um nome que de alguma maneira aludisse às doenças mentais, tão discriminadas socialmente.
Com a presença de alguns psiquiatras e de numerosos amigos, foi inaugurada a Casa das Palmeiras no dia 23 de dezembro de 1956. A Casa, instituição sem fins lucrativos, começou a funcionar imediatamente.
Permanecemos no prédio do antigo Colégio Lá-Fayette até 1968, pois, após o falecimento de D. Alzira, embora nos concedesse largo prazo, a família Lá-Fayette Cortes pediu-nos o prédio que lhe pertencia.
Transferimo-nos para a casa situada a rua D. Delfina, número 39, Tijuca, cedida pela CADEME, graças à iniciativa da Sra. Adriana Coutinho, que na ocasião ocupava o cargo de nossa Diretora Administrativa. A aquisição dessa casa completou-se devido à decidida atuação da Presidente da Casa das Palmeiras, Sra. Maria Antonieta Franklin Leal, em dezembro de 1968. Permanecemos nesse aprazível local durante longo período.
Anos mais tarde, a Sra. Maria Antonieta Franklin Leal, com notável tino administrativo, permutou a casa da rua D. Delfina, que se achava em más condições de conservação, por outra casa, a Rua Sorocaba, número 800, Botafogo, onde desde setembro de 1981 está instalada a Casa das Palmeiras.
A Casa das Palmeiras é reconhecida de utilidade pública pela lei número 176 de 16/10/1963.
(este texto de Nise continua no próximo módulo)

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