terça-feira, 26 de agosto de 2014

Imagem - monotipia e poesia para Nise


 detalhe, monotipia - T.
Ontem, segunda-feira, as atividades plásticas versaram sobre o exercício da criação com Monotipia. Em breve, mostra destes trabalhos dos artistas singulares
 da Casa das Palmeiras.
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LITANIA LEIGA
                                   Para Nise da Silveira

Venho ao mar da memória, irmã
- a mão timbrada em gestos –
esculpir teus dias íngremes
sob o vento oblíquo.

Venho a i
para quem o estigma
é anima.

A ti
Que viste a cor do inconsciente.

Ainda sangram digitais
do século findo
sobre teus insanos sãos.

Com rasura,
fomos salvos pela loucura.

E aonde fores vai –
não a ira – a íris
do olhar dos gatos.

Agora, escuta.
agora que és de magma
e lumes.
Escuta esta litania leiga
deserta sob as palavras.

Agora que retornas
ao silêncio in natura.

                                                 Sebastião Salgado*
Sol Sanguíneo – Imago, 2002.
*poeta e letrista, nasceu em Caxias, no Maranhão. Vive no RJ desde 1973.
Prêmio U.B.E. em 1998 e Jabuti de 1999.
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sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Mario Novello e Nise da Silveira - encontro


Visita do físico Mario Novello à Casa das Palmeiras e à Nise da Silveira no Grupo de Estudos C. G. Jung - Rua Marques de Abrantes - tradicional quarta-feira. Palavras no caderno de presença.

                                                          Rio de janeiro, 28 abril 1998.
Grupo foi aberto neste dia com uma visita e curta exposição do físico Mário Novello sobre a questão do espaço-tempo.

     “Em verdade, fiquei surpreendido pelo funcionamento da Casa das Palmeiras - que eu só conhecia por meio de informações de terceiros. O ambiente que ali me foi exibido foi tão interessante – não só pelo tratamento dado aos ”pacientes”, mas principalmente pelo alto nível demostrado pelos participantes do Seminário - em diversos assuntos. Ademais, a experiência de conhecer esse novo ambiente aqui na – ‘Casa da Nise’ também me foi revelador.
     Creio que este contato entre diferentes ”saberes” (saberes?) não só é por demais estimulante (para cada um de nós) como certamente produz um modo de caminho que aprofunda os contatos de / entre saberes aparentemente tão afastados quanto o conhecimento do tempo (pela visão dos físicos) e o desconhecimento geral do espaço (por todos nós, físicos e psicólogos).
     Ademais, o ambiente relaxado simples, atencioso e de profunda reflexão - que aparece de imediato, para todos que aqui estejam - serve a um só objetivo: unir nosso saber em nome de um conhecimento vivo e não dogmático. É tudo que podemos esperar dessa união".                                                                                           
                                                                          Mario Novello
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sábado, 9 de agosto de 2014

Leitura de palavras de Nise da Silveira II


Dando continuidade às leituras - frases/palavras de Nise da Silveira
Grupo de Estudos C. G. Jung
Quartas-feiras, de 15 em 15 dias / Sempre agendadas aqui no Blog 
Agosto: dias 13 e 27 / Setembro: 10 e 24 das 19h às 20h30.
Rua Sorocaba, 800 - Botafogo.
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 Nise - Instalação poética aos quatro elementos da natureza /Santa Teresa, 1970 / foto MPF.
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    “Para Jung vários métodos. Para cada cabeça um chapéu e não o mesmo para todas as cabeças. O que vale para um tipo psicológico, não vale para outro tipo psicológico. Muita flexibilidade para não se seguir uma trilha única. Tudo depende de cada caso, cada pessoas, não há receita única.”

“Em matéria de educação não basta conhecer o mundo externo, é necessário tomar seriamente em consideração a função imaginativa ao dar forma a conteúdos do inconsciente.”

    “Eu via nas imagens circulares algo muito semelhantes aos que os orientais faziam para meditar. Mandei carta com as imagens para Zurique. Foi Jung quem afirmou que se tratava de mandalas o que se pintava lá no Museu, círculos ordenadores da psique. O doente não estava totalmente esfacelado, mostrava um sentido profundo de busca de harmonia. As mandalas representam forças autocurativas.”

    “Mandalas exprimem forças de defesa que se contrapõem às desordens, à cisão e ao caos, na esquizofrenia.”

    “É muito importante a pesquisa das imagens dos doentes esquizofrênicos. O doente pode estar vivendo num mundo de confusão mental e ao se expressar em imagens, pode revelar em símbolos unidade interior. É o que ocorre quando desenham mandalas. Esquizo, em grego quer dizer partido, separado, mas volta e meia me surpreendia com círculos ordenados nos desenhos. Essas imagens falam uma linguagem própria.”

   “O simples fato de pintar despotencializa a angustia dos doentes. Observando as imagens percebe-se, mesmo sem que haja uma tomada de consciência. Eles se sentem mais aliviados. Plasmando com as próprias mãos, a pessoa doente vê que as imagens são menos apavorantes. Vê-se uma considerável melhora na vida pessoal, nas relações externas.”

    “Produzir imagens expressas em emoções já é por si terapêutico, é remédio. Prefiro as atividades expressivas à camisa de força química. Não que seja contra os remédios, longe de mim, mas sou avessa às doses elevadas de psicofármacos.”

    “Para Freud as imagens plásticas são meras projeções do inconsciente, estão lá. Para Jung é bem mais que simples projeções do inconsciente. O fato de desenhar, pintar, esculpir, modelar, já é por si mesmo terapêutico.”

    “Não tenho nenhuma intenção de produzir arte nos ateliês. O inconsciente produz imagens extraordinárias, é de uma riqueza criativa imensa. Não se tem a intenção de forçar produzir trabalhos, mas sim de dar condições, possibilitar estímulos, dar oportunidades de que os doentes possam se expressar plasticamente. As mãos instrumento de trabalho. Nada deve ser forçado.”

    “Tenho orgulho de dizer que transformei o serviço subalterno em serviço de alta categoria. O trabalho que se fazia na Terapia Ocupacional era tudo repetitivo quando fui designada para lá. Eles faziam tudo igual todos os dias. Não existe coisa pior. Criamos oficinas de trabalho criativo, nada era repetitivo, e chegamos a criar 17 oficinas expressivas. Tínhamos a pintura e a modelagem como prioridade. Através das imagens podíamos conhecer os processos psíquicos, o que se passa nas camadas mais profundas do ser.”

    “Aprendi mais com a literatura do que com os trados de psiquiatria. Um conto de Machado de Assis, Missa do Galo, exprime com mais clareza e sutileza as coisas do que um psiquiatra. Aprende-se mais com Machado de Assis sobre a natureza humana do que em livros de psicologia.”

    “Gosto de mergulhadores, pessoas que estudam a fundo o mundo interno. A maioria das pessoas tem medo do inconsciente, ficam na superfície. Preciso de mergulhadores com escafandro. Quem quer estudar psicologia que compre um escafandro e mergulhe com o esquizofrênico.”

    “É necessário se espantar, se indignar e se contagiar, só assim é possível mudar a realidade.” “Fui guiada pela intuição.”
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